Para o ministro Luís Roberto Barroso, a imprensa tradicional precisa reocupar seu espaço no debate público
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu o papel da imprensa e alertou para os riscos da desinformação. A análise foi feita nesta terça-feira (19/8), durante o seminário Liberdade de Imprensa e Poder Judiciário, realizado no auditório do CNJ, em Brasília.
Segundo o ministro, o cenário pós-revolução digital e tecnológica transformou profundamente os meios de comunicação. “Este é um mundo em que se democratizou o acesso à informação, ao conhecimento, ao espaço público, de uma maneira geral. Antes da internet, a informação circulava pelos meios de comunicação tradicionais: televisão, rádio e imprensa”, ponderou.
Uma das consequências do advento da internet, segundo Barroso, é a ampliação da circulação de informações sem filtro. “O que tem custado um preço elevado à democracia é a tribalização da vida. De acordo com o ministro, a navegação nas plataformas digitais retroalimenta os próprios interesses dos usuários, reforça crenças e cria bolhas informacionais, onde o contraditório desaparece e o diálogo se torna cada vez mais raro.
“Estamos vivendo em um mundo em que as pessoas já não convergem quanto aos fatos. Cada um tem a sua própria narrativa. As pessoas são expostas a opiniões divergentes. Da intolerância à violência, o passo é relativamente pequeno”, lamentou.
Na visão do presidente do CNJ, a imprensa tem um papel decisivo na criação de fatos comuns sobre os quais as pessoas formam suas opiniões. “Esse papel está sendo corroído. Perdemos, no mundo atual, a capacidade de viver sob um parâmetro mínimo civilizado, que é a busca pela verdade — a verdade possível, no plural, mas sempre com sinceridade e boa fé. A imprensa tradicional precisa reocupar seu espaço no debate público”, defendeu.
Ao fazer uma retrospectiva sobre a atuação da imprensa no Brasil, sobretudo no período da Ditadura Militar (1964–1985), Barroso ressaltou o papel que o jornalismo desempenhou em sua trajetória pessoal. “Tenho uma relação muito profunda e imensa com o jornalismo. Passei a minha vida consumindo publicações de maneira geral. E ainda hoje, acordo de manhã e leio a primeira página de todos os principais jornais digitais. Despertei para a vida do Brasil com uma notícia de jornal, quando ocorreu a morte do jornalista Vladimir Herzog, em São Paulo”, pontuou.
O ministro também relembrou decisões emblemáticas do STF e as posturas adotadas em temas sensíveis. “O Supremo tem uma posição relativamente libertária em matéria de discussão e expressões artísticas, com exceção muito veemente em relação ao discurso de ódio, que é enquadrado na lei que proíbe o racismo”, disse.
Com base nesse entendimento, explicou Barroso, o Supremo passou a criminalizar quaisquer discursos de ódio contra grupos vulneráveis. “A Constituição exige a tipificação do crime de racismo em relação ao racismo étnico, mas essa decisão foi estendida também ao racismo contra os judeus. Mais recentemente, no voto antológico do ministro Celso de Mello, o STF criminalizou a homofobia, considerando igualmente criminalizáveis os discursos de ódio contra pessoas homossexuais ou transexuais”, declarou.
Cartilha
A conselheira Daiane Lira enfatizou a importância das decisões do STF sobre a garantia da liberdade de imprensa, presentes na cartilha Liberdade de Imprensa: onde estamos e para onde vamos, lançada durante o seminário. “Nosso papel agora será exatamente trabalhar essas 20 decisões resumidas na cartilha. Esses julgados são um pontapé inicial para realizarmos as discussões sobre o tema”.
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), ministro Aloysio Corrêa da Veiga, afirmou que a Constituição é sábia ao tratar da liberdade de expressão, e apontou suas principais limitações. “Precisamos celebrar e preservar, sempre, a liberdade de expressão como sendo, naturalmente, o apanágio de uma sociedade que se afirma democrática. Uma sociedade que respeita as liberdades individuais, a dignidade humana e os direitos fundamentais. Esse conjunto de valores — liberdade, dignidade, respeito — traz como consequência inevitável a necessidade de estabelecer limites e responsabilidades, especialmente quando há abuso”, analisou.
Já o presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) e do Conselho de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil (Consepre), desembargador Francisco Oliveira Neto, reiterou que a imprensa é o instrumento que garante a visibilidade do poder. “Em um Estado democrático, não se pode permitir a invisibilidade do exercício do poder público. A separação entre o público e o privado já não é tão nítida, especialmente quando o que é privado precisa se tornar público. A liberdade de imprensa encontra sua excelência justamente na afirmação desses princípios, pois é ela que garante o controle social legítimo, feito em público e para o público, preservando a própria existência da sociedade e do seu processo civilizatório”, concluiu.
Fonte: Agência CNJ de Notícias
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